Se querem viver em um mundo no qual seja possível banir filmes, devem aceitar que não têm o direito de exprimir sua religiosidade. Se querem se continuar a ter o direito de professarem sua religião, precisam aceitar conviver com o direito dos outros a lhes fazerem críticas.
O direito à religião nada mais é do que uma faceta específica do direito à liberdade de expressão. Professar uma crença é se expressar a respeito de um conjunto de valores pessoais, filosofia de vida e dogmas. Se você não tem o direito à liberdade de expressão, você não pode professar a religião que quiser. Era o que acontecia nas ditaduras comunistas, por exemplo.
Ao contrário do que querem acreditar, o debate não é se determinada religião é boa ou ruim, certa ou errada, ou se determinado deus existe ou deixa de existir. Religião é um conceito íntimo, pessoal. Não há como obrigar alguém a acreditar em algo abstrato e que, por definição, não é testável (se fosse, não seria religião, seria ciência).
Por ser a expressão de um conjunto de valores íntimos é que a expressão pública de uma crença religiosa é uma das formas da liberdade de expressão. E essa é a mesma liberdade que permitiu o cineasta produzir e exibir o tal vídeo.
Como na religião, o debate não é se o vídeo é bom ou ruim, certo ou errado, ou se cria uma mentira ou retrata uma verdade: ele é uma forma de expressão de valores íntimos, pessoais. Não há como obrigar o cineasta a acreditar em uma visão que não é sua. Não há como dizer ao artista o que ele deve sentir.
Tanto radicais religiosos quanto o cineasta radical apresentam um mesmo ponto: que o outro lado não deveria existir. Mas só podem fazê-lo porque existe o direito de dizerem o que pensam. O mesmo direito que o outro lado também tem.
Se tal liberdade causa ofensa, que seja. A alternativa é muito pior: apenas nas ditaduras é possível haver a liberdade de expressão de um lado sem se permitir a contrapartida do outro. As mesmas ditaduras contra as quais lutam nas ruas há um ano e meio.
Se não gostamos do que vemos, lemos ou ouvimos, temos a opção de desligarmos a TV, produzirmos algo mais convincente ou mesmo processar por eventuais perdas e danos, mas não podemos simplesmente silenciar o outro à base da força porque isso dá ao outro a possibilidade de tentar nos silenciar também.
É justamente por isso que a carta de direito fundamentais dos EUA – a mesma que inspirou as constituições de todas as democracias modernas, inclusive as brasileiras – previu em sua primeira emenda (antes mesmo de outros direitos como a um julgamento justo ou liberdade física) o direito à liberdade de expressão. Porque, sem ele, não há como instrumentalizar qualquer outro direito. E nessa mesma emenda, para não deixar dúvida, ela protege quatro facetas específicas da liberdade de expressão: a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, a liberdade de se reunir, e a liberdade de pedir alguma coisa ao governo.